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Introdução. Funções de Bessel de Primeiro Tipo.

Funções de Bessel de primeiro tipo e de ordem $ \nu$, $ \nu \in \mathbb{R}_{+}$, são soluções da seguinte classe de equações diferenciais ordinárias

$\displaystyle x^2 \frac{d^2}{dx^2}y(x) + x \frac{d}{dx}y(x) + \left(x^2 - \nu^2\right) y(x) = 0 \, ,$ (1.1)

onde $ y:\mathbb{R}\to \mathbb{R}$ é uma função a valores reais, contínua e pelo menos duas vezes diferenciável. A equaçào acima pode ser resolvida aplicando-se o chamado Método de Frobeniüs. A idéia consiste, essencialmente, em supormos que a solução de (1.1) seja dada por uma série de potências com coeficientes a determinar. Assim, escrevemos uma solução de (1.1) como

$\displaystyle y(x) = \sum_{n=0}^{\infty } c_n x^{n + \gamma} \, ,$ (1.2)

onde $ \gamma \in \mathbb{R}$ é um parâmetro a mais a ser determinado junto com o coeficientes $ c_n \in \mathbb{R}$. Como por hipótese (1.2) é solução de (1.1), fazendo a substituição, obtemos

\begin{multline}
x^2 \left[\sum_{n=0}^{\infty }(n+\gamma)(n+\gamma-1)c_n
x^{n+\g...
...t[\sum_{n=0}^{\infty } c_n
x^{n+\gamma}\right] = 0 \, . \nonumber
\end{multline}

Arrumando os termos de forma mais apropriada, temos

$\displaystyle \sum_{n=0}^{\infty } \left[(n+\gamma)^2 - \nu^2 \right] c_n x^{n+\gamma} + \sum_{n=0}^{\infty } c_n x^{n+\gamma+2} = 0 \, ,$    

Tomando agora $ m = n+2$ na segunda soma, escrevemos

$\displaystyle \sum_{n=0}^{\infty } \left[(n+\gamma)^2 - \nu^2 \right] c_n x^{n+\gamma} + \sum_{m=2}^{\infty } c_{m-2} x^{m+\gamma} = 0 \, .$    

Note que as duas somas da última expressão são completamente independentes. Assim, podemos por $ m = n$, o que resulta em

$\displaystyle \sum_{n=0}^{\infty } \left[(n+\gamma)^2 - \nu^2 \right] c_n x^{n+\gamma} + \sum_{n=2}^{\infty } c_{n-2} x^{n+\gamma} = 0 \, .$    

É conveniente agora escrevermos os dois primeiros termos da primeira soma explicitamente e deixar o resto dos termos apenas sob um somatório que vai de $ n=2$ até o infinito. Com efeito,

$\displaystyle \left(\gamma^2-\nu^2\right) c_0 x^\gamma + \left[(1+\gamma)^2 - \...
...{ \left[(n+\gamma)^2 - \nu^2\right] c_n + c_{n-2}\right\} x^{n+\gamma} = 0 \, .$    

Colocando em evidênciando o fator $ x^\gamma$, para $ x \neq 0$, temos

$\displaystyle \left(\gamma^2-\nu^2\right) c_0 + \left[(1+\gamma)^2 - \nu^2\righ...
... \left\{ \left[(n+\gamma)^2 - \nu^2\right] c_n + c_{n-2}\right\} x^{n} = 0 \, .$    

Essa expressão nos diz que a série do lado esquerdo é identicamente nula. Logo, todos os seus coeficiente devem se anular. Como conseqüência, valem as seguintes relações para os coeficientes $ c_n$:

$\displaystyle \left(\gamma^2 - \nu^2\right) c_0 = 0 \, ,$ (1.3)

$\displaystyle \left[(1 + \gamma)^2 - \nu^2\right] c_1 = 0 \, ,$ (1.4)

$\displaystyle c_n = - \frac{1}{(n+\gamma)^2-\nu^2} \, c_{n-2} \, ,$ (1.5)

para $ n = 2, 3, \ldots$. Observe agora de (1.5) que todos os coeficientes de índice par maior do que zero (i.e., $ c_2, c_4, c_6,
\ldots$) são proporcionais à $ c_0$. Da mesma forma, os coeficientes de índice ímpar são proporcionais à $ c_1$. Portanto, se tentarmos satisfazer as relações (1.3) e (1.4) fazendo a escolha ingênua $ c_0 = c_1 = 0$, acabaríamos com $ c_n = 0$ para todo $ n \in \mathbb{N}$. Obviamente esta é uma solução trivial de (1.1) a qual não estamos interessados. Por outro lado, as relações (1.3) e (1.4) podem ser satisfeitas simultâneamente de duas outras maneiras distintas, sem que acabemos com a solução trivial. Uma delas é tomar $ c_1 = 0$ e $ \gamma^2 =
\nu^2$. Outra é $ c_0 = 0$ e $ (\gamma+1)^2 = \nu^2$. Não é difícil perceber que quaquer uma dessas duas escolhas nos leva à verificação das relações (1.3) e (1.4). Vamos considerar, inicialmente, a primeira opção, ou seja

$\displaystyle \gamma^2 = \nu^2$   e$\displaystyle \hspace{1cm} c_1 = 0 \, .$ (1.6)

Uma vez que $ c_1$ foi escolhido nulo, de acordo com (1.5), todo coeficiente de índice ímpar também deverá ser nulo, i.e.,

$\displaystyle c_{2n+1} = 0 \, ,$ (1.7)

para todo $ n \in \mathbb{N}$. A condição $ \gamma^2 =
\nu^2$ nos dá duas possibilidades para o valor de $ \gamma$: $ \gamma_{+} = \nu$ ou $ \gamma_{-} = -\nu$. No primeiro caso, pela relação (1.5), teríamos

$\displaystyle c_p = - \frac{1}{(p+\gamma_{+})^2 - \nu^2} \, c_{p-2} = - \frac{1}{p^2 +2p\nu} \, c_{p-2}$ (1.8)

para todo $ p$ par, $ p \geq 0$. Ou seja,

$\displaystyle c_{2n} = -\frac{1}{4n^2 + 4n\nu} \, c_{2(n-1)} = -\frac{1}{2^2 n(n + \nu)} \, c_{2(n-1)} \, ,$ (1.9)

para todo $ n \in \mathbb{N}$. Por outro lado, quando $ \gamma = \gamma_{-} =
- \nu$, segue também de (1.5) que

$\displaystyle c_p = - \frac{1}{(p+\gamma_{-})^2 - \nu^2} \, c_{p-2} = - \frac{1}{p^2 - 2p\nu} \, c_{p-2}$ (1.10)

para todo $ p$ par, $ p \geq 0$. Quer dizer,

$\displaystyle c_{2n} = -\frac{1}{4n^2 - 4n\nu} \, c_{2(n-1)} = -\frac{1}{2^2 n(n - \nu)} \, c_{2(n-1)} \, ,$ (1.11)

para todo $ n \in \mathbb{N}$.

As expressões (1.9) e (1.11) nos dão, de forma recursiva, os coeficientes de índice par da expansão (1.2) sugerida como solução de (1.1). Lembremos que os coeficientes de índice ímpar são todos nulos devido à escolha (1.6). Observe agora que como $ \nu \in \mathbb{R}_{+}$ e $ n \in \mathbb{N}$, a expressão (1.11) é inconveniente quando $ \nu$ for igual à algum inteiro positivo. De fato, suponha, por exemplo, que $ \nu = q$, onde $ q \in \mathbb{N}$. Então, o coeficente $ c_{2q}$ não estaria bem definido, pois, de acordo com (1.11), teríamos uma divisão por zero. Isso, entretanto, nunca ocorre com a expressão (1.9) como pode ser notado claramente. A solução encontrada para $ \gamma = \gamma_{-} =
- \nu$ é, portanto, problemática quando $ \nu$ for algum número inteiro positivo. Caso contrário ($ \nu$ não inteiro), as expressões (1.9) e (1.11) fornecem duas soluções linearmente independentes da equação (1.1).

A solução das equações (1.3), (1.4) e (1.5) foi obtida mediante a escolha (1.6). Entretanto, também poderíamos ter escolhido

$\displaystyle (\gamma+1)^2 = \nu^2$   e$\displaystyle \hspace{1cm} c_0 = 0$ (1.12)

para resolver o problema. Deixamos para o leitor verificar que a escolha acima leva exatamente à mesma solução que a obtida no caso anterior. Portanto, as escolhas (1.6) e (1.12) são equivalentes.

Vamos estudar melhor a solução obtida em (1.9). Note que quando $ \nu$ não for um inteiro positivo, os coeficientes em (1.11) são obtidos dos coeficientes em (1.9) pela substituição $ \nu \rightarrow -\nu$. Dessa forma, analisaremos apenas a solução referente aos coeficientes em (1.9). Como $ c_i = 0$ para todo $ i$ ímpar, uma solução de (1.1) pode ser escrita como

$\displaystyle y(x) = \sum_{n=0}^{\infty } c_{2n} x^{2n + \gamma} \, ,$ (1.13)

onde, como vimos, $ \gamma = \nu$ e $ c_{2n}$ é dado por (1.9), para todo $ n \in \mathbb{N}$. Vamos mostrar por indução em $ n$ que

$\displaystyle c_{2n} = \frac{\displaystyle (-1)^n}{\displaystyle 2^{2n} \, n! \, \prod_{r=0}^{n-1} (n+\nu - r)} \, c_0$ (1.14)

Primeiramente notemos que para $ n=1$ a relação é trivialmente verificada. De fato, pondo $ n=1$ em (1.14), temos

$\displaystyle c_{2} = - \frac{1}{\displaystyle 2^{2} (1 + \nu)} \, c_0 \, ,$ (1.15)

exatamente como em (1.9). Suponha agora, como hipótese de indução, que

$\displaystyle c_{2(n-1)} = \frac{\displaystyle (-1)^{(n-1)}}{\displaystyle 2^{2(n-1)} \, (n-1)! \, \prod_{r=0}^{n-2} (n - 1 +\nu - r)} \, c_0$ (1.16)

e vamos mostrar (1.14). Pelas relações (1.9) e (1.16), segue que
$\displaystyle c_{2n} = -\frac{1}{2^2 n(n + \nu)}
c_{2(n-1)}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{\displaystyle (-1)^{(n-1)}}{\displaystyle 2^2 \, n \, (n + \nu)
\, 2^{2(n-1)} \, (n-1)! \,
\prod_{r=0}^{n-2} (n - 1 +\nu - r)} \, c_0$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{\displaystyle (-1)^n}{\displaystyle 2^{2n} \, n! \,
\prod_{r=0}^{n-1} (n+\nu - r)} \, c_0 \, ,$  

como queríamos demonstrar.

Com a expressão (1.14) em mãos, podemos expressar todos os coeficientes $ c_{2n}$ de uma forma muito mais elegante, escrevendo-os apenas em termos do coeficiente $ c_0$, do parâmetro $ \nu$ e da ordem $ n$. Com efeito,

$\displaystyle y(x) = \left(\sum_{n=0}^{\infty } \, \frac{\displaystyle (-1)^n}{...
... 2^{2n} \, n! \, \prod_{r=0}^{n-1} (n+\nu-r)} \, x^{2n+\nu} \right) \, c_0 \, .$ (1.17)

A expressão anterior é uma solução da equação diferencial ordinária de segunda ordem (1.1). Gostaríamos de frizar que, como série de potências, a solução acima faz sentido. De fato, o fator $ \displaystyle 2^{(2n)} \, n! \, \prod_{r=0}^{n-1} (n+\nu-r)$ no denominador dos coeficientes da série faz a mesma convergir rapidamente (a convergência é uniformemente!) para todos os valores de $ x$. Note que apenas o termo fatorial no denominador já seria suficiente para garantir a convergência uniforme da série. Esse é o caso, por exemplo, da função exponencial

$\displaystyle e^x = 1 + x + \frac{1}{2!}x^2 + \frac{1}{3!}x^3 + \frac{1}{4!}x^4 + \ldots$    

No caso onde $ \nu$ não é um parâmetro inteiro, temos uma outra solução da equação (1.1) que é obtida de (1.17) pela substituição $ \nu \rightarrow -\nu$. Essas duas soluções são linearmente independentes e constituem uma base à solução geral de (1.1) ($ \nu$ não inteiro!), a qual pode ser escrita como

\begin{multline}
y(x) = A \, \left(\sum_{n=0}^{\infty } \, \frac{\displaystyle
(...
... \, n! \,
\prod_{r=0}^{n-1} (n-\nu-r)} \, x^{2n-\nu} \right) \, ,
\end{multline}

onde $ A$ e $ B$ são constantes arbitrárias.

Para terminar esta seção, vamos reescrever a solução (1.17) de uma forma mais conveniente, de forma que possamos identificá-la com a chamada função de Bessel de ordem $ \nu$ conhecida da literatura. Lembremos, inicialmente, da definição da função $ \Gamma$:

$\displaystyle \Gamma(x) := \int_0^\infty e^{-t} t^{x-1} \, dt \, .$ (1.18)

Essa função exibe a importante propriedade de que

$\displaystyle \Gamma(x+1) = x\Gamma(x) \, ,$ (1.19)

para todo $ x \in \mathbb{R}$. A demonstração desse fato pode ser feito mediante uma integração por partes em (1.19). Omitiremos os detalhes. Observe agora que

$\displaystyle \Gamma(n+\nu+1) = (n+\nu)\Gamma(n+\nu) = \left[\prod_{r=0}^{n-1} (n+\nu -m)\right] \, \Gamma(\nu + 1) \, ,$    

como conseqüência imediata da propriedade (1.20). Dessa forma, reescrevemos a solução $ y(x)$ dada em (1.17) como

$\displaystyle y(x) = \left(\sum_{n=0}^{\infty } \, \frac{\displaystyle (-1)^n}{...
...n! \, \Gamma(n+\nu+1)} \, x^{2n+\nu} \right) \, 2^\nu \Gamma(\nu+1) \, c_0 \, .$ (1.20)

Já que $ 2^\nu \Gamma(\nu+1) \, c_0$ é uma constante (não depende nem de $ n$ e nem de $ x$), podemos expressar $ y(x)$ como

$\displaystyle y(x) = c \, J_{\nu}(x) \, ,$ (1.21)

onde $ c$ é uma constante e

$\displaystyle J_{\nu}(x) := \sum_{n=0}^{\infty } \, \frac{\displaystyle (-1)^n}{\displaystyle 2^{2n+\nu} \, n! \, \Gamma(n+\nu+1)} \, x^{2n+\nu}$ (1.22)

é a camada Função de Bessel de primeiro tipo e ordem $ \nu$. Portanto, no caso em que $ \nu$ não é um número inteiro positivo, podemos escrever a solução mais geral da equação (1.1) como

$\displaystyle y(x) = c_{+} \, J_{\nu}(x) + c_{-} \, J_{-\nu}(x) \, ,$ (1.23)

onde $ c_{+}$ e $ c_{-}$ são constantes arbitrárias. Funções de Bessel de primeiro tipo e ordem $ \pm\nu$, $ \nu$ não inteiro, constituem, portanto, uma base para o espaço de soluções da equação diferencial (1.1). Por outro lado, quando $ \nu$ for um inteiro, temos apenas uma solução bem definida, a saber aquela dada por (1.22) e (1.23). Uma outra solução, linearmente independente a essa, envolve uma função não-analítica em torno da origem (singular) a qual não pode ser expressa em forma de uma série de potências como em (1.2). Essa solução singular (no caso $ \nu$ inteiro) é conhecida como função de Bessel de segundo tipo e ordem $ \nu$, ou função de Neuman de ordem $ \nu$.

Estaremos, a seguir, estudando uma aplicação simples em física na qual nos deparamos com o problema de resolver uma equação diferencial do tipo da (1.1). Para isso, escreveremos nossa solução em termos das funções de Bessel introduzidas aqui.


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Daniel Augusto Cortez 2002-07-12