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O Problema da Corda Pendurada.

Considere uma corda de seção tranversal constante e densidade linear de massa igual à $ \rho$, também constante. Suponha que essa corda tenha comprimento $ L$ e que uma das extremidades da mesma esteja fixada em um dado ponto do espaço. A corda assim descrita estará sujeita a ação de seu próprio peso devido à aceleração da gravidade local. Suponha conhecida a posição e a velocidade de todos os pontos da corda em um dado instante de tempo inicial $ t_0 = 0$. Nessas condições, gostaríamos de descrever o movimento da corda para $ t > t_0$. Como veremos a seguir, esse é um problema cuja solução envolve as funções de Bessel discutidas anteriormente.

O problema da corda pendurada pode ser colocado de forma matematicamente precisa da seguinte forma: Seja $ u(x, t)$ a função que descreve o perfil da corda no instante de tempo $ t$, ou seja, $ u$ dá o deslocamento do ponto $ x$ da corda no instante $ t$. Suponha que a corda esteja presa em $ x = L$ (vide figura 1). Nesse caso, devemos impor a seguinte consdição sob a função $ u$:

$\displaystyle u(L, t) = 0 \, , \qquad \forall t \in \mathbb{R}_{+} \, .$ (2.1)

A outra extremidade da corda (o ponto $ x = 0$) está livre para oscilar. Conseqüêntemente, é razoável impormos que o deslocamento $ u$ da corda nesse ponto seja finito, isto é

$\displaystyle u(0, t) < \infty \, , \qquad \forall t \in \mathbb{R}_{+} \, .$ (2.2)

As relações (2.1) e (2.2) escritas acima prescrevem as chamadas condições de contorno do problema da corda pendurada.

Figura: Desenho esquemático da corda pendurada.
\begin{figure}\centering {\epsfig{figure = corda.eps, scale=0.8}}
\end{figure}

Conforme já havíamos mencionado, vamos também supor conhecidas a posição e a velocidade inicial de todos os pontos da corda, ou seja, são nos dadas funções $ u_0(x)$ e $ v_0(x)$ tais que

$\displaystyle u(x, 0) = u_0(x) \, , \qquad \forall x \in [0, L]$ (2.3)

e

$\displaystyle \frac{\partial u}{\partial t} (x, 0) = v_0(x) \, , \qquad \forall x \in [0, L] \, .$ (2.4)

Essas são as condições iniciais do problema.

Como é bem sabido, o movimento de uma corda vibrante, do tipo considerada aqui, é regido pela seguinte equação diferencial parcial:

$\displaystyle \frac{\partial ^2 u}{\partial t^2}(x, t) = \frac{\partial }{\partial x}\left(T(x)\frac{\partial u}{\partial x}(x, t)\right) \, ,$ (2.5)

onde $ T(x)$ representa a força de tração aplicada na corda sob o seu ponto de coordenada $ x$ (confira figura 1). A única força que age sobre a corda pendurada é o seu peso, logo

$\displaystyle T(x) = \int_0^x \rho g \, dy = \rho g x \, ,$    

sendo $ g$ a aceleração da gravidade. Substituindo $ T(x)$ em (2.5), temos

$\displaystyle \frac{\partial ^2 u}{\partial t^2}(x, t) = \rho g \frac{\partial }{\partial x} \left(x \frac{\partial u}{\partial x }(x, t)\right) \, .$ (2.6)

A equação diferencia parcial acima pode ser facilmente resolvida pelo método de separação de variáveis. Assim, ecrevendo

$\displaystyle u(x, t) = X(x) T(t) \, ,$    

resulta que

$\displaystyle \frac{\ddot{T}}{T} = \rho g \left(\frac{X^\prime}{X} + x \frac{X^{\prime\prime}}{X} \right) \, ,$    

onde o ponto denota derivada temporal e a linha derivada espacial. Como o lado esquerdo da última relação só depende do tempo e o lado direito só depende da posição, ambos devem ser necessariamente iguais a uma constante. Como veremos, essa constante deve ser negativa. Assim,

$\displaystyle \frac{\ddot{T}}{T} = \rho g \left(\frac{X^\prime}{X} + x \frac{X^{\prime\prime}}{X} \right) = - \omega^2 \, ,$    

onde $ \omega$ é uma constante real. A equação para a parte temporal fica

$\displaystyle \ddot{T} + \omega^2 T = 0 \, ,$    

cuja bem conhecida solução é

$\displaystyle T(t) = A \cos{(\omega t)} + B \sin {(\omega t)}\, ,$ (2.7)

onde $ A$ e $ B$ são duas constantes arbitrárias. Vale a pena observar que se a constante de separação de variáveis $ -\omega^2$ fosse positiva, isto é, $ +\omega^2$, então a solução para $ T(t)$ seria exponencialmente crescente ou decrescente, violando a conservação de energia mecânica da corda.

Vamos agora nos concentrar em resolver a parte espacial. A equação para $ X(x)$ pode ser escrita como

$\displaystyle \rho g (x X^\prime)^\prime + \omega^2 X = 0 \, .$ (2.8)

e deve ser tal que $ X(0) < \infty$ e $ X(L) = 0$ devido às condições de contorno. Fazendo a mudança de variável

$\displaystyle y = 2 \omega \sqrt{\frac{x}{\rho g}} \, ,$    

podemos reescrever (2.8) como

$\displaystyle y^2 \widetilde {X}^{\prime\prime}(y) + y \widetilde {X}^\prime(y) + y^2 \widetilde {X}(y) = 0 \, ,$ (2.9)

onde $ \widetilde {X}(y) = X(x) = $ e a linha agora denota derivação com relação à $ y$. A equação diferencial (2.9) é idêntica à (1.1) para $ \nu = 0$. Como sabemos, a solução de tal equação é composta pela função de Bessel de ordem zero $ J_0(y)$ e uma função de Neuman que é singular na origem (note que $ \nu = 0$ corresponde a um caso onde $ \nu$ é inteiro). Entretanto, devido à condição de contorno $ X(0) < \infty$, devemos excluir essa função singular da solução do problema. Portanto,

$\displaystyle X(x) = \widetilde {X}(y) = C J_0(y) = C J_0\left(2\omega \sqrt{\frac{x}{\rho g}} \right) \, ,$ (2.10)

onde $ C$ é uma constante arbitrária. Resta ainda impormos à solução acima a condição de contorno de extremo fixo $ X(L) = 0$. Essa condição impoem restrições sobre os valores de $ \omega$. De fato,

$\displaystyle X(L) = 0 \quad \Rightarrow \quad J_0\left(2\omega \sqrt{\frac{L}{...
..._k = \frac{z_{0, k}}{2}\sqrt{\frac{\rho g}{L}} \, , \quad k = 1, 2, \ldots \, ,$ (2.11)

onde $ z_{0, k}$ representa o $ k$-ésimo zero positivo de $ J_0$. Os diferentes modos de vibração da corda são descritos pelas freqüências $ \omega_k$. O movimento da corda no $ k$-ésimo modo de vibração é dado por (2.7) e (2.10) com $ \omega$ substituido por $ \omega_k$ como em (2.11). Assim,

$\displaystyle u_k(x, t) = J_0\left(z_{0, k} \sqrt{\frac{x}{L}}\right) \left[ A_...
..._k \sin \left( \frac{z_{0, k}}{2}\sqrt{\frac{\rho g}{L}} t \right) \right] \, ,$    

onde $ A_k$ e $ B_k$ são constantes arbitrárias. O movimento mais geral da corda é obtido pela superposição de seus modos normais de vibração. Assim, a solução mais geral da equação (2.6) com as condições de contorno estabelecidas é

$\displaystyle u(x, t) = \sum_{k = 1}^{\infty} J_0\left(z_{0, k} \sqrt{\frac{x}{...
..._k \sin \left( \frac{z_{0, k}}{2}\sqrt{\frac{\rho g}{L}} t \right) \right] \, .$ (2.12)

Note que a corda descreve um movimento quase-periódico no tempo. Entretanto, cada modo normal isoladamente tem um período bem definido, a saber

$\displaystyle T_{\omega_k} = \frac{2\pi}{\omega_k} = \frac{4\pi}{z_{0,k}}\sqrt{\frac{L}{\rho g}} \, .$    

Resta agora impormos as condições iniciais (2.3) e (2.4) à solução (2.12). Isso pode ser feito usando a seguinte relação de ortogonalidade entre as funções de Bessel:

$\displaystyle \int_0^1 r J_m(z_{m, k} r) J_m(z_{m, \ell} r) \, dr = \delta_{k, \ell} \left(J_{m+1}(z_{m, k})\right)^2 \, ,$    

onde $ z_{m, k}$ é o $ k$-ésimo zero da função de Bessel $ J_m$. Fazendo $ r =
\sqrt{x / L}$ na integral acima e especializando para $ m = 1$, temos

$\displaystyle \int_0^L J_0\left(z_{0, k} \sqrt{\frac{x}{L}} \right) J_0\left(z_...
...x}{L}} \right) \, dx = 2 L \delta_{k, \ell} \left(J_{1}(z_{0, k})\right)^2 \, ,$ (2.13)

No instante de tempo $ t = 0$, $ u(x, t)$ em (2.12) se reduz à

$\displaystyle u(x, 0) = \sum_{k = 1}^{\infty} J_0\left(z_{0, k} \sqrt{\frac{x}{L}}\right) A_k \, ,$    

que, de acordo com (2.3), deve ser igual à $ u_0(x)$. Multiplicando ambos os lados por $ J_0\left(z_{0, \ell} \sqrt{x/L} \right)$, integrando em $ x$ de 0 à $ L$ e usando a relação de ortogonalidade (2.13), achamos

$\displaystyle A_\ell = \frac{1}{2 \,L \, (J_1(z_{0, \ell}))^2}\int_0^L u_0(x) J_0\left(z_{0, \ell} \sqrt{\frac{x}{L}} \right) \, dx \, .$ (2.14)

Essa expressão fixa o valor de todas as constantes $ A_k$ em (2.12) para que a condição inicial $ u(x, 0) = u_0(x)$ seja satisfeita. Devemos ainda fixar as constantes $ B_k$. Isso é feito a partir da outra condição inicial, isto é, (2.4). Primeiramente, derivamos $ u(x, t)$ com relação ao tempo:

$\displaystyle \frac{\partial u}{\partial t}(x, t) = \sum_{k = 1}^{\infty} J_0\l...
...B_k \cos\left( \frac{z_{0, k}}{2}\sqrt{\frac{\rho g}{L}} t \right) \right] \, .$    

Para $ t = 0$, temos

$\displaystyle \frac{\partial u}{\partial t}(x, 0) = v_0(x) = \sum_{k = 1}^{\inf...
...k} \sqrt{\frac{x}{L}}\right) \frac{z_{0, k}}{2}\sqrt{\frac{\rho g}{L}} B_k \, .$    

Usando, novamente, a relação de ortogonalidade (2.13), podemos inverter a relação acima e escrever cada constante $ B_\ell$ como

$\displaystyle B_\ell = \frac{1}{L \, z_{0,\ell} \, (J_1(z_{0, \ell}))^2} \sqrt{...
... g}} \int_0^L v_0(x) J_0\left(z_{0, \ell} \sqrt{\frac{x}{L}} \right) \, dx \, .$ (2.15)

A solução final da equação (2.6) satisfazendo tanto as condições de contorno quanto as condições iniciais é finalmente obtida substituindo os coeficientes $ A_\ell$ e $ B_\ell$ obtidos em (2.14) e (2.15) na expressão (2.12) para $ u(x, t)$. Com efeito, trocando a ordem da soma com a integral, podemos escrever
$\displaystyle u(x, t) =
\frac{1}{2 L (J_1(z_{0, \ell}))^2}\int_0^L dx^\prime \l...
...) \cos\left( \frac{z_{0, k}}{2}\sqrt{\frac{\rho g}{L}} t \right)
\right] u_0(x)$      
$\displaystyle + \; \frac{1}{L \, z_{0,\ell} \, (J_1(z_{0, \ell}))^2}
\sqrt{\fra...
...sin \left( \frac{z_{0, k}}{2}\sqrt{\frac{\rho g}{L}} t \right)
\right] v_0(x) ,$      

que é o resultado desejado.


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Daniel Augusto Cortez 2002-07-12